
Câmara começa a analisar proposta para regulamentar o trust no país
Projeto de lei prevê estrutura muito parecida com a que se tem no exterior.

Uma movimentação legislativa vem chamando a atenção das famílias mais
endinheiradas. Trata-se de um projeto em tramitação na Câmara dos
Deputados que prevê regulamentar o trust. Essa estrutura só existe no
exterior e, mesmo sem amparo em lei, é muito utilizada por brasileiros de
alta renda - principalmente em planejamentos sucessórios.
A proposta, prevista no Projeto de Lei (PL) nº 4.758, tenta trazer, para o
Brasil, uma estrutura muito parecida com a que se tem fora. Se levada
adiante, dizem advogados, abriria um novo mercado no país e, além disso,
daria mais segurança aos brasileiros que têm trust no exterior.
O texto foi apresentado pelo deputado Enrico Misasi (PV-SP) em setembro
do ano passado. A primeira movimentação ocorreu no dia 10 deste mês,
quando a proposta foi encaminhada para análise na Comissão de Finanças
e Tributação.
O trust consiste em um contrato privado. A pessoa (settlor) transfere a
propriedade de parte ou a totalidade dos seus bens para alguém (trustee)
que assumirá a obrigação de administrá-los em benefício do contratante ou
de pessoas por ele indicadas (geralmente herdeiros). Esse papel, no
mercado internacional, está nas mãos de instituições financeiras e
empresas especializadas em gestão de patrimônio.
“É uma forma de garantir que esse patrimônio fique limitado para diversas
situações, desde, por exemplo, a representatividade de um exercício
político numa companhia ou até a definição de uma política de
investimento”, diz o advogado Alessandro Fonseca, do escritório Mattos
Filho.
A intenção de quem constitui um trust geralmente é a de proteger o
patrimônio - deixando a gestão com alguém especializado - e garantir que
seja mantida a qualidade de vida dos herdeiros depois da morte do
patriarca.
Entre os brasileiros que batem à porta dos grandes escritórios de advocacia
em busca dessa solução, estão, por exemplo, pais de filhos com
necessidades especiais, menores de idade ou que não veem no filho o perfil
para a gestão dos negócios.
“Pode ser mais interessante colocar o patrimônio na mão de um
profissional especializado, com regras claras e preestabelecidas, do que
esse patrimônio parar na mão de um tio ou de algum familiar que venha a
ser o curador do filho e que não tenha o mesmo conhecimento, ou que não
irá proteger da mesma forma”, diz Joanna Rezenda, sócia do escritório
Velloza.
A advogada e o colega Leandro Vilarinho Borges, que atua na mesma banca,
dizem que não há, aqui no Brasil, nenhum instrumento com a mesma
função do trust. O mais próximo, afirmam, são os planos do tipo VGBL, em
que se pode transferir dinheiro e garantir renda aos herdeiros por
determinado tempo.
“Só que o trust é muito mais amplo. Não comporta só dinheiro. É utilizado
para a gestão do patrimônio, imóveis e ações, por exemplo, e ainda permite
tratar de peculiaridades”, complementa Borges.
Os contratos de trust especificam os nomes dos beneficiários, a partir de
quando eles começam a receber, por quanto tempo e de que forma -
quantos por cento a cada mês, semestre ou ano. Podem prever, além disso,
condições especiais. Se um dos herdeiros tiver uma doença grave, por
exemplo, uma quantia maior de dinheiro poderia ser liberada ou ficar
previsto o custeio do tratamento.
No texto de apresentação do PL consta que se pretende introduzir na
legislação brasileira o “contrato de fidúcia”, um regime de administração de
bens de terceiros “inspirado na figura do trust”. O settlor - aquele que
transfere a propriedade dos bens -, na lei brasileira, viraria o fiduciante. Já
o trustee, que recebe e administra o patrimônio em favor dos beneficiários,
seria o fiduciário.
Um dos pontos mais importantes é a previsão, expressa, de que os
patrimônios do fiduciante e do fiduciário não se misturam. “Hoje a gente
não tem isso em lei. Se eu transferir o meu patrimônio para você e você
contrair dívidas, o meu patrimônio responde pelas suas dívidas e eu fico a
ver navios. O PL está dizendo, então, que, quando eu transferir, o meu
patrimônio ficará apartado das suas dívidas. Não poderá ser atingido”,
afirma Joanna Rezende.
No texto também constam os procedimentos que deverão ser observados,
o que precisará constar em contrato e como ocorrerá a formalização (em
cartório ou testamento). O texto não trata, no entanto, das questões
tributárias - uma das mais sensíveis para os brasileiros que têm trust no
exterior.
“Esse primeiro momento trata da natureza civil. É um marco importante.
Isso nunca antes foi discutido. Depois de reconhecido o instituto, como
consequência, terá que vir a regulamentação tributária. Hoje a matéria é
toda construída com base em interpretação e muitas vezes interpretações
divergentes”, afirma Alessandro Fonseca.
Advogados tributaristas entendem, por exemplo, que na transferência de
valores não incide Imposto de Renda - por se tratar de doação e não de
renda. Mas a Receita Federal defende a tributação. O entendimento está
na Solução de Consulta nº 41, editada no ano passado pela Coordenação-
Geral de Tributação (Cosit).
Hoje, os brasileiros geralmente constituem trust em paraísos fiscais -
Bahamas e Ilhas Virgens entre eles. Advogados dizem que a intenção não é
a de sonegar impostos, mas a de evitar onerar um patrimônio que está
sendo transferido e será gerido em benefício das próximas gerações.
Nem todo mundo enxerga dessa forma, no entanto. O trust ganhou fama
aqui no Brasil especialmente com a Operação Lava Jato. E uma fama ruim -
passou a ser visto como instrumento de ocultação e lavagem de dinheiro.
Segundo a Receita Federal, só no âmbito da Lava-Jato, foram autuados
cerca de R$ 4,7 bilhões em esquemas que se utilizavam de offshores.
“Mas trust não é isso. Não tem essa característica. É largamente utilizado
fora do Brasil e na imensa maioria das vezes tem finalidade lícita. Estamos
falando de um excelente instrumento para planejamento sucessório, que
pode evitar, inclusive, litígio entre as famílias”, diz Ivana Marcon, do
escritório Baptista Luz Advogados.
Fonte: Valor Econômico
BP Tax Global Advisory
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